Lesão do nervo axilar

A lesão do nervo axilar não é comum nos esportes, representa apenas 1% de todas as lesões de nervo, no geral. Excluindo-se a lesão iatrogênica, que pode ocorrer em procedimentos ortopédicos no ombro, existem duas principais causas de lesão do nervo axilar em atletas: lesão traumática por trauma direto e a sindrome do espaço quadrangular.

A) Anatomia
O nervo axilar se origina da medula espinhal, nos níveis de C5 e C6 com eventual contribuição de C4. Se origina do tronco posterior do plexo braquial, lateral ao nervo radial e posterior à artéria axilar. Ele passa abaixo do processo coracóide, e mergulha para a borda inferolateral do subescapular à aproximadamente 3 a 5 mm medial à transição miotendínia. O nervo axilar recebe um ramo sensitivo da cápsula articular anterior neste local. O nervo, então passa posteriormente, adjacente à cápsula inferomedial e através do espaço quadrangular junto com  a artéria circunflexa posterior.

O espaço quadrangular é a região entre a cabeça longa do tríceps medialmente, a diáfise humeral, lateralmente, o m. redondo menor, superiormente, o m. redondo maior, inferiomente e o m. subescapular, anteriormente. O nervo deixa o espaço quadrangular e continua através da face posterolateral do colo cirúrgico, dividindo-se em ramos anteriores e posteriores.

O ramo anterior passa profundamente ao deltóide para a borda anterior  desse músculo, emitindo ramos para o deltóide anterior e médio (média de 6cm da borda lateral do acrômio). O ramo posterior se separa do ramo anterior imediatamente anterior à origem da cabeça longa do tríceps, na posição de 6 horas em relação à glenóide. Dirige-se posteriormente à aproximadamente 1 cm da borda inferior da glenóide antes de se dividir em ramos para o redondo menor e cutâneo lateral do braço.

B) Fisiopatologia
A lesão do nervo axilar, normalmente é causada por trauma fechado que envolve tração do ombro, como fraturas e luxações. Isso ocorre por estiramento do nervo sobre a cabeça do úmero. O risco de lesão do nervo axilar na literatura varia de 19 a 55%(1,16) para luxações e 58% para fraturas do terço proximal do úmero.(1) A lesão direta pode ocorrer por compressão do nervo entre o chão (ou capacete) e o osso, na massa do deltóide.

C) Avaliação clínica
Alguns atletas podem ser assintomáticos, porém, estes podem ter fadiga precoce, especialmente em atividades de arremesso e levantamento de peso. Alguns pacientes podem ter dificuldade de levantar o braço e diminuição de força de rotação externa. Além disso podem apresentar diminuição de sensibilidade na face lateral do deltóide.

O exame físico do atleta deve incluir a avaliação da amplitude de movimento passiva e ativa e força em todos os planos. A avaliação da rotação externa é de grande importância pois aproximadamente 45% da força de rotação é feita pelo redondo menor, enquanto que a elevação e abdução são realizadas pricipalmente pelo deltóide.

Nos casos de pacientes com doença crônica, pode-se observar a atrofia muscular, principalmente do deltóide e redondo menor. Se existe uma atrofia apenas do redondo menor, então a lesão é distal ao espaço quadrangular.

Deve ser realizado um exame neurológico completo do membro superior para determinação correta do nível da lesão, desse modo podendo-se realizar o diagnóstico diferencial entre Sd. do desfiladeiro torácico, alterações cervicais ou de outra topografia do plexo braquial.
D) Exames Complementares
As radiografias são úteis para confirmar as fraturas do terço proximal e as reduções de luxações gleno-umerais. As radiografias cervicais são úteis para avaliação de doença cervical como causa de atrofia muscular e alterações neurológicas dos membros superiores.

A ENMG é um exame útil para avaliar o local de compressão nervosa e a qualidade do nervo. Este exame pode ser normal até a terceira semana após a lesão e deve ser realizado após esse período. A Ressonância Magnética pode ser útil na avaliação da substituição gordurosa, dado importante para avaliação do prognóstico de recuperação da função.

E) Tratamento
A recuperação do nervo axilar com tratamento conservador ocorre em 85 a 100% dos casos de luxação ou fratura (1,16).

O tratamento conservador para o atleta deve iniciar com repouso relativo, medicação sintomática e exercícios de manutenção da amplitude de movimento. Os atletas devem ser orientados quanto ao bom prognóstico das lesões após fraturas ou luxações e nos casos de trauma direto, mesmo que persista a paralisia do deltóide, o retorno ao esporte é possível.
O tratamento cirúrgico está indicado para pacientes sem evidências clínicas ou eletromiográficas de melhora entre 3 à 6 meses depois da lesão. Os melhores resultados ocorrem quando a cirurgia é feita dentro dos primeiros 6 meses de lesão, podendo haver melhora funcional até 1 ano após a lesão(1). Dentre as possíveis intervenções cirúrgicas podem ser realizadas as neurólises, neurotizações, enxertos, neurorrafias e transferências de nervos. Após 1 ano podem ser realizadas as transferência musculares, porém são cirurgias de salvação e provavelmente incapacitarão o atleta de retornarem ao esporte. (1)

3- Síndrome do Espaço Quadrangular

Essa Síndrome foi descrita pela primeira vez em 1983 por Cahill e Palmer. Em 1967, em uma revisão dos resultados da cirurgia para a Sd do desfiladeiro torácico, o autor encontrou uma alta porcentagem de resultados ruins. O autor observou que na grande maioria dos casos, existia um denominador comum, o bloqueio da artéria circunflexa posterior do úmero. Chamou essa entidade de Síndrome do espaço quadrangular, que era causada por compressão da artéria circunflexa posterior e do nervo axilar, ou um de seus ramos no espaço quadrangular. A abdução e rotação externa exacerbavam os sintomas.(17)
Trata-se de uma doença rara com pouca descrição na literatura.

A) Fisiopatologia

A Síndrome do espaço quadrangular pode ser de causa atraumática ou traumática. No caso de lesão atraumática, existe compressão do nervo axilar e artéria circunflexa posterior dentro do espaço quadrangular, que pode ocorrer por compressão por bandas fibrosas(causa mais comum, de etiologia desconhecida), compressão entre o m.redondo maior e menor, fricção ou irritação do nervo em sua passagem pela borda posterior da glenóide ou compressão por um m. subescapular hipertrofiado em sua inserção logo abaixo do tubérculo menor. Qualquer etiologia que cause diminuição do espaço quadrangular pode levar à essa síndrome.(1)
Dentre as causas traumáticas pode-se citar o trauma direto na face posterior do ombro, tração escessiva do membro e a injeção intra-muscular profunda.
Atletas que praticam esportes de arremesso realizam movimentos repetitivos em abdução e rotação externa. Em um estudo em cadáveres, Duparc et al avaliaram as dimenções do espaço quadrangular com o membro superior ipsilateral em neutro, abdução e abdução e rotação externa. Concluíram que em abdução e rotação externa as dimenções diminuem, podendo ser uma das causas de alterações do nervo axilar ou do ramo para o redondo menor. (18)

B) Avaliação cínica

A Síndrome do espaço quadrangular normalmente acomete atletas que realizam movimentos repetitivos e de arremesso como o tenis, volei e baseball. Afeta quase sempre o membro dominante. Os atletas com essa doença reclamam de dor mal definida, surda ou em queimação, na face lateral e posterior do ombro. A dor é insidiosa e piora com a atividade física, principalmente abdução, rotação externa e extensão. Algumas vezes a dor pode acordar o paciente à noite. O atleta pode queixar-se de fraqueza durante os esportes de arremesso.
No caso de casos crônicos, pode-se notar atrofia do deltóide e em alguns casos parestesias, normalmente sem dermátomo definido, extendendo-se para o braço, antebraço e mão.
O exame físico desses pacientes é inespecífico. Alguns pacientes tem um aumento de sensibilidade na face posterior do ombro, na topografia do espaço quadrangular. Alguns autores podem reproduzir os sintomas com elevação frontal, abdução e rotação externa do lado acometido. A manutenção dessa posição por mais de 1 minuto pode exacerbar os sintomas (FABER test). Pode estar presente a atrofia do deltóide e do redondo menor. Pode ocorrer fraqueza muscular do deltóide, com déficit de abdução, elevação frontal e extensão. A fraqueza do redondo menor pode ocasionar diminuição de força de rotação externa.

C) Exames Complementares

A arteriografia é utilizada para avaliar a artéria circunflexa posterior em sua passagem pelo espaço quadrangular. Com o braço em abdução a arteriografia mostra um fluxo normal pela artéria circunflexa posterior. Com a mudança da posição do braço para abdução e rotação externa, observa-se uma diminuição do fluxo distal ao espaço quadrangular. A angio-RM também pode detectar esta alteração, porém apresenta um grande número de falsos positivos.
Um teste útil para confirmar o diagnóstico é o bloqueio local do nervo com lidocaína, sem vasoconstritor, que pode dar alívio aos sintomas, quando injetado no espaço quadrangular. A ausência de alívio dos sintomas não exclui a possibilidade do diagnóstico de Sd. do espaço quadrangular, por ser difícil a localização exata do espaço para injeção do anestésico.
Os exames de condução, como a ENMG, geralmente não ajudam no diagnóstico por se tratar de uma doença de caráter intermitente, principalmente nos estágios iniciais da doença. Nos casos em que a doença progride, com compressões repetitivas e atrofia muscular, pode-se identificar alterações eletromiográficas.
As radiografias e tomografia são úteis na identificação de alterações ósseas, como calos de fratura que eventualmente possam ser causa de compressão nervosa.
A Ressonância Magnética é um exame útil para avaliação de partes moles. Pode-se observar a presença de cistos, dilatação venosa ou alguma outra causa de diminuição do espaço quadrangular. Além disso, pode-se observar a atrofia do deltóide e redondo menor em casos mais avançados, além de avaliar o manguito rotador e outras estruturas do ombro.
D) Diagnóstico Diferencial

Dentre os diagnósticos diferenciais pode-se citar as doenças cervicais, Síndrome de Personage-Turner, lesões do tronco posterior do plexo braquial, lesão ou tendinite do manguito rotador, capsulite adesiva, artrose gleno-umeral, artrose acrômio-clavicular, instabilidade gleno-umeral, síndrome do desfiladeiro torácico e lesão do n. supraescapular.

E) Tratamento

Na ausência de lesão anatômica identificável através dos exames, deve-se tentar o tratamento conservador , com repouso relativo, medicação sintomática, alongamento do ombro e compensação biomecânica. A maioria dos casos parece ser auto limitada e tem uma boa resposta ao tratamento conservador.(1) Segundo Cahil e Palmer, 70% dos pacientes com essa Síndrome não tem sintomas que justifiquem o tratamento cirúrgico e respondem bem ao tratamento clínico.(17)
As indicações para a cirurgia incluem os pacintes que apresentam persistência dos sintomas por mais de 6 meses, apesar do tratamento conservador e a confirmação diagnóstica por arteriografia.  Cahil e Palmer indicam a descompressão do espaço quadrangular nos casos em que não ocorre melhora dos sintomas com o tratamento conservador e que tenham uma arteriografia diagnóstica, além de dor à palpação na topografia do espaço quadrilateral. (17)
O tratamento cirúrgico é realizado por uma incisão posterior, paralela e logo abaixo da espinha da escápula, direcionando-se para a face posterior do úmero para permitir a dissecção infero lateral. Realiza-se a dissecção conforme as fibras do deltóide posterior. A artéria circunflexa posterior e o nervo axilar são identificados e isolados. Se estiverem presentes bandas fibrosas, estas são excisadas. Uma vez que a artéria e o nervo são liberados, palpa-se o pulso da artéria circunflexa posterior com o membro superior em abdução e rotação externa, para confirmar a adequada descompressão.

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