Lesão do nervo supra escapular

 

A disfunção do nervo supra escapular foi descrita pela primeira vez em 1936 na literatura francesa. A compressão do nervo supra escapular no sulco supraescapular como causa de dor crônica no ombro foi descrita na literatura inglesa por Thompson e Kopell em 1959,  e no sulco supraglenoidal, por Aiello et al em 1982.(1)

Apesar da lesão isolada do nervo supraescapular não ser comum, esta representa a lesão de ramo periférico mais comum do plexo braquial em atletas. A incidência na literatura varia muito. Alguns esportes ,como o baseball e volleyball, tem uma alta incidência de lesão seletiva do componente infraespinhal do supraescapular.(3) Ferreti et al atribuiram essa lesão à uma tração e fricção causada por uma excursão excessiva do m.infraespinhal durante os jogos e treinos.(4)

A)Anatomia

O nervo supra escapular se origina do tronco superior do plexo braquial, é formado predominantemente  da porção anterior da quinta e  sexta raizes cervicais, podendo ter contribuição da quarta raiz cervical. Ele passa lateralmente e profundamente aos músculos omoióide e borda anterior do trapézio, atravessa o sulco supraescapular(Fig 1), inervando o músculo supraespinhal. O nervo passa por baixo do ligamento escapular transverso ( a artéria e a veia passam por cima). Este ligamento pode se encontrar parcial ou totalmente ossificado. Após passar o ligamento transverso o nervo supraescapular emite de um a dois ramos para o m. supraespinhal e recebe diversos ramos sensitivos da articulação glenoumeral, acromioclavicular e do ligamento coracoumeral. Em 15% dos pacientes existe uma variação anatômica, o nervo supraescapular recebe fibras sensitivas cutâneas da face lateral do braço.(5)
O nervo segue obliquamente no assoalho da fossa supra espinhal, se dirige para a borda lateral da base da espinha da escápula, também conhecida como sulco espinoglenoidal, entrando na fossa do m. infraespinhal. No sulco espino glenoidal o nervo pode ser encoberto pelo ligamento espinoglenoidal ou ligamento escapular  transverso inferior.

Depois que o nervo passa pelo sulco espinoglenoidal, ele emite dois ou mais ramos para o m. infraespinhal.

A distância entre o tubérculo supraglenoidal e o sulco supraescapular é de aproximadamente 3,0cm, a distância entre o tubérculo supraglenoidal e a base da espinha da escápula é de aproximadamente 2,5cm e a distância média entre o ponto médio da borda posterior da glenóide e a base da espinha da escápula é de aproximadamente 1,8cm. Essas medidas são importantes para a abordagem segura da face posterior do ombro.(6)
Fig 1 –Sulco supra escapular

 

B) Fisiopatologia

As possíveis causas de paralisia do n.supraescapular em atletas podem ser: compressão, tração, microtrauma repetitivo, lesão direta, assim como lesões generalizadas do plexo braquial.

O nervo supraescapular é suscetível à compressão devido à sua posição relativamente fixa sob os ligamentos e o manguito rotador. O nervo pode ser comprimido por cistos, lipomas, ligamento escapular transverso ou espinoglenoidal(Fig.2), ou no percurso entre os músculos escaleno anterior e médio, entre os tendões do supra e infraespinhal, entre a fascia do m. subclávio e omoióideo ou entre um músculo supraespinhal hipertrofiado e o coracóide. Os cistos podem se originar de alterações intra-articulares, através de fraquezas ou lesões capsulares ou lesões labrais (mecanismo valvular).
Fig.2-  Ligamento espino glenoidal

Os locais mais comuns de compressão são o sulco supraescapular e espinoglenoidal.
Estudos têm demonstrado que o ligamento espinoglenoidal se insere na cápsula glenoumeral posterior, e que o ligamento fica estirado com a adução e rotação interna, comprimindo o nervo (esse movimento ocorre na fase final do arremesso- follow through).(7)

Recentemente foi demonstrado que na abdução e rotação externa máximas, as porções mediais do infra e supra-espinhais podem comprimir o nervo supraescapular na borda lateral da espinha da escápula, comprimindo o ramo infraespinhal.(3)
A lesão do nervo pode ocorrer no sulco supraescapular por alteração do formato do sulco ou por compressão do ligamento transverso (variação anatômica ou calcificação).(Fig.3) (1,8)

Fig.3- Ligamento escapular transverso calcificado
A tração do nervo pode ocorrer nas áreas críticas como sua origem no tronco superior e sua fixação distal no m. infraespinhal.
Essas forças de tração e compressão através do percurso sinuoso e com diversos pontos de fixação pode ser exacerbado durante os esportes de arremesso que exigem do ombro extremos de força e velocidade. Os movimentos podem  submeter os nervos e artérias a uma rápida distração. Uma outra hipótese de causa é a lesão por tração da microvasculatura que supre os nervos. (9)
O nervo supraescapular também pode sofrer lesão direta em casos de luxação glenoumeral e fratura do terço proximal do úmero.

C) Avaliação clínica
Os sintomas são menos intensos quando a compressão ocorre no sulco supragleinoidal. A compressão neste ponto preserva o ramo para o m. supraespinhal. Portanto, o atleta com lesão do n. supraescapular pode ser assintomático ou ter uma grande variedade de sintomas.
Os sintomas são normalmente de início insidioso (se não apresentar história de trauma prévio). O paciente pode ter uma pequena dor localizada na face lateral e posterior do ombro,  normalmente exacerbada pela atividade física. A dor é frequentemente descrita como profunda, difusa ou em queimação. Com o tempo a dor pode se tornar constante, chegando a acordar o paciente à noite. O atleta pode se queixar de fraqueza para rotação externa e abdução durante a atividade esportiva. Eventualmente pode haver uma história de trauma direto ou indireto (como queda com o braço extendido). Os sintomas podem ser vagos e se assemelhar aos sintomas de instabilidade glenoumeral.
O exame fisico depende do tempo de lesão, sendo muito inespecífico no início. Os pacientes que se apresentam com algum tempo de lesão, podem ter dor no local da compressão (sulco supraescapular , sulco espinoglenoidal). Pode ser visível a atrofia dos musculos envolvidos, supraespinhal e infraespinhal, ressalto das saliências ósseas, sendo a atrofia do infraespinhal mais evidente que a do supraespinhal (a atrofia do supraespinhal pode ser mascarada pelo m.trapézio sobre ele).
O teste de adução e rotação interna  (croos arm test ) pode exacerbar a dor na face  posterior do ombro, muitas vezes o atleta pode não ter queixas de fraqueza durante a atividade física devido à compensação do deltóide posterior e rombóides, mas pode ter fraqueza ao exame especifico dos músculos comprometidos. Às vezes o paciente pode ter dor a diversos movimentos, restringindo-os e simulando uma capsulite adesiva.
D) Exames Complementares

Existem diversos exames complementares que podem ajudar a confirmar o diagnóstico de lesão do nervo supraescapular. Um exame útil é o bloqueio do nervo supraescapular, que pode proporcionar uma alívio momentâneo da dor após a injeção de anestésico local sem vasoconstritor.
A eletroneuromiografia (ENMG) pode ajudar a confirmar o diagnóstico, no entanto trata-se de um exame inespecífico, podendo apresentar resultados falso-positivos. A ENMG não é capaz de definir  a exata natureza da alteração, e nem sempre mostram o local da lesão. Às vezes os achados eletroneuromiográficos não tem correlação com os achados clínicos.

Alguns exames de imagem podem ser úteis. As radiografias são normalmente normais, mais podem revelar um calo de fratura como causa de irritação do nervo. Na radiografia em AP com o raio direcionado de 15 a 30 graus no sentido crânio-caudal pode-se avaliar o formato do sulco e avaliar o ligamento transverso calcificado. A tomografia computadorizada é outro método útil para avaliar as alterações ósseas que possar estar lesando o nervo.

A ressonância magnética é um método útil para se avaliar os pacientes com paralisia do nervo supraescapular, pode avaliar a presença de tecidos moles comprimindo o nervo em seu trajeto, além de avaliar o manguito rotador. (Fig. 4)
E) Tratamento
A história natural da paralisia do nervo supraescapular não é conhecida. A maioria dos relatos da literatura sobre a paralisia do supra e infraespinhais e relatam a cura expontânea com o tratamento não cirúrgico. Alguns autores relataram a paralisia do supraescapular afetando somente o ramo infraespinhal. A lesão parcial tem uma perda de função limitada, se comparada com a lesão do tronco comum, mas a perda de força pode chegar a 22% em alguns estudos(10), podendo ser assintomático.

Uma vez que a causa da lesão do nervo supraescapular não está bem definida, sendo o microtrauma repetitivo uma das principais hipóteses, o tratamento não cirúrgico deve ser tentado. A maioria dos autores observaram uma melhora dos sintomas por volta de seis meses à um ano de tratamento clínico. (11)

O tratamento conservador consiste em repouso relativo, antiinflamatórios, manutenção da amplitude de movimentoe fortalecimento do ombro. O repouso relativo significa evitar carregar objetos pesados e evitar as atividades que piorem os sintomas. Deve ser dada atenção especial no alongamento da cápsula posterior, especialmente em abdução (essa é a inserção do ligamento espinoglenoidal, e é uma das hipóteses de causa de lesão em atletas que praticam esportes de arremesso. O atleta deve dar atenção especial aos exercicios de fortalecimento dos músculos do manguito rotador, do deltóide e músculos periescapulares como o serrátil anterior, trapézio e rombóides para conseguir um melhor balanço muscular no ombro.

O tratamento cirúrgico pode ser indicado quando existe evidência de um cisto comprimindo o nervo. Normalmente os cistos são derivados de patologias intra-articulares, como lesões labrais (90% dos casos)(12). A história natural do cisto é desconhecida, podendo aumentar ou se resover naturalmente com o tempo.

Existem basicamente três tipos de tratamento para o cisto espinoglenoidal, o conservador, a aspiração do cisto e o tratamento cirurgico. A aspiração do cisto apresenta uma taxa de recorrência em torno de 48% e uma falha de punção do cisto de aproximadamente 18%(12).

O tratamento cirúrgico, com abordagem do cisto e da lesão labral parece ter o melhor resultado em relação à atrofia, ganho de força e melhora da dor.

O tratamento cirurgico pode ser aberto, podendo-se utilizar a via de acesso anterior sobre a face medial do coracóide, como descrita em 1972, para acesso ao sulco supraescapular, porém essa via de acesso permite pouca vizualisação e apresenta um risco muito grande de lesão de estruturas nobres durante a dissecção. O acesso superior como descrita por Vastamäki e Göransson , os autores preconizam uma via de acesso de sabre de mais ou menos 8-10cm, 1cm medial à articulação acromio-clacicular, dissecção do trapézio em sua porção lateral, a gordura do supraescapular é afastada anteriormente e a musculatura, posteriormente. O ligamento escapular transverso superior e o nervo são identificados, normalmente por eletroestimulação, podendo-se seccionar o ligamento.

Para abordagem do sulco espinoglenoidal a incisão da pele é feita através da espinha da escápula, é feita a liberação subperiostal do deltóide, afastado gentilmente o m. infraespinhal, podendo-se expor o nervo supraescapular em sua entrada na fossa infraespinhal através do sulco espinoglenoidal.(13).

A topografia dos ligamentos foi recentemente identificada. O ligamento escapular transverso está localizado à aproximadamente 1,3cm posterior à borda posterior  da clavícula e 2,9cm medial à articulação acromio-clavicular, a uma profundidade de 4 cm da pele, aproximadamente.(1,14)

A via de acesso posterior pode ser realizada através da dissecção do m.trapézio ou elevação do músculo da espinha da escápula(1).

Pode ser realizado o tratamento artroscópico, com esvaziamento do cisto e correção da lesão labral intra-articular, impedindo o mecanismo valvular e recidiva do cisto. Em alguns casos pode ser realizado o tratamento combinado, com correção da lesão intraarticular por artroscopia e cirurgia aberta para excisão do cisto, quando não se consegue uma boa vizualização do cisco por artroscopia.(15)

Tanto o  tratamento clínico quanto cirúrgico têm sido propostos para o tratamento da neuropatia do supraescapular. Quando o tratamento conservador falha, o tratamento cirúrgico mostrou-se efetivo em aliviar a dor. No entanto, a recuperação do músculo parece ser menos consistente. Apesar disso, estudos tem demonstrado que apesar da melhora incompleta da atrofia muscular, o atleta consegue retornar às suas atividades esportivas sem déficits.(9)

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